Miles Como Trompetista
Não parece novidade considerar, exceto para quem não os ouviu, que Miles Davis (1926-1991) NÃO teve a estonteante proficiência instrumental de trompetistas como Dizzy, Clifford ou Maynard.
Em relação a esses citados, por exemplo:
[1] Ele não toca tão rápido, [2] Ele não tem a mesma extensão e [3] Ele não toca tão claro.
Além disso, muitas vezes ele "escroca" as notas ou erra o alvo da nota desejada; Não é raro ouvir ele se aventurar em passagens que são mais rápidas que suas habilidades permitiam executar.
Ouça novamente Miles in Europe, Miles in Berlin, Miles in Tokyo e Four and More
Isso não ofusca, evidentemente, os pontos positivos de Miles como trompetista
[1] Um solista melódico.
[2] Produz efeito máximo nas suas escolhas rítmicas e na dramática construção de figuras melódicas. Excelente dosagem de silêncio & som.
[3] Mestre do comedimento na construção de linhas (muitas vezes dá a impressão que ele está editando seus solos enquanto os executa).
[4] Clichê é coisa rara nos solos de Miles e sutileza é marca registrada.
Não é sem razão que ele influenciou trompetistas como Clifford Brown, Chet Baker, Shorty Rogers, Jack Sheldon, Nat Adderley, Charles Moore, Johnny Coles, Eddie Henderson, Stu Williamson, Ted Curson, Luis Gasca, Blue Mitchel, Lester Bowie, Tom Harrell, Randy Brecker, John McNeil, Terumasa Hino, Kenny Wheeler, Wynton Marsalis, Terence Blanchard e Herb Pomeroy.
Sendo eu um trompetista, não me atenho ao Miles bandleader, compositor, criador dos maiores movimentos jazzísticos ou ao fato de ser o músico mais sortudo do universo, tocando com TODOS os grandes músicos de Jazz de sua época. Mas, seria ousado demais tocar na música no papa do Jazz sem lavar as mãos?
Miles Como Músico Comercial
Como sabemos, ao lado da busca pela excelência musical por parte de Miles, estava sua voraz perseguição pelo sucesso comercial - e muitas vezes essa sobrepujou aquela.
O Be-Bop teve seu auge de popularidade na década de 40, época em que Miles bebia nas fontes de Bird e Dizzy. Muitos negros na década de 50, entretanto, começaram ceder à indulgência de uma música mais simples, o Rhythm & Blues, deixando ao Be-Bop uma legião de brancos, muitos dos tais sem compromisso de lealdade ao Jazz para serem considerados "nicho de mercado". Miles quase acabou a carreira nessa época.
Terá sido essa a razão que o levou a inovar, juntamente com Gil Evans, inventando o Cool com Kind of Blue - (1959), um fuzuê entre os brancos?
Como alternativa ao Cool, que ficou mais branco que nunca com o West Coast Jazz de Chet Baker e Dave Brubeck, os negros se simpatizam mais com o East Coast jazz, o Hard-Bop - e lá estava Miles em ambos os lados da bipolaridade.
A década de 60 trouxe mais mudanças. Indo além da New Thing, um movimento encabeçado por Coleman, Coltrane e Taylor explorava politonalidade e atonalidade, tempos estranhos e abolição da métrica. Miles primeiro criticou e depois trilhou um caminho próximo com Carter, Hancock, Shorter e Williams.
Aí o Rock começa a ofuscar o Jazz e Miles pende para onde as coisas estão acontecendo (Hendrix e Sly Stone) e lança um álbum Jazz Rock-Fusion, Bitches Brew - 1969.
Quando na década de 70 houve a explosão do Heavy Metal, tio Miles ficou de fora. Estava ocupado com um projeto contraproducente: colocar ritmos de discoteca e funk nos seus discos. Quem já ouviu Dark Magus, Agharta e Pangaea?
Nos anos 80 ele aparece novamente. Toca para massas, tem ares de estrela consciente. Toca para jovens negros, misturando R&B com Hip-Hop. Tutu e Amandla, 1986 e 1989. Ali está o gênio Miles Davis desperdiçando seus dons melódicos com frases curtas cobertas pelo açúcar de confeiteiro de estúdio. Encerra a década com o Doo-Bop. Lançado em 1991, em dueto com o rapper Easy Mo Bee, o Doo Bop é um híbrido de Jazz e Hip Hop, no sendo bem um, nem outro.
Não pretendo desmistificar e personificação de um mito. Gênio? sim! mas com uma carreira tortuosa. De qualquer sorte, "Não se pode culpar um homem por no caminhar em linha reta num campo minado".
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