quinta-feira, maio 15, 2008

Lobato Mau

Bem que eu desconfiava. Fui tocar em Vitória da Conquista o Hino Nacional para abertura de uma mostra cultural de uma escola de primeiro grau dedicada à casta mais privilegiada da cidade – trompetistas sempre se metem nessas enrascadas. Fiz o trabalho e já estava de saída quando o mestre de cerimônia anunciou uma peça na qual se ia encenar Negrinha de Monteiro Lobato. Desisti imediatamente da saída precoce. Desejei saber a visão que aqueles adolescentes tinham do racismo.

Não estranhei que não havia negro para representar Negrinha – “magra e atrofiada”. Não me assustei com o tratamento dispensado a “pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados”. A história vai daquele jeito “Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos”. Os adolescentes atores aprenderam uma série apelidos com que a mimoseavam – Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo. Mas a maior diversão mesmo era o alívio que “cocres bem fincados” gerava na senhora dona Inácia. Correção? Com ovo quente na boca –. Para encurtar a história.

(e se desejar leia na íntegra minha transcrição) http://abdalan.vilabol.uol.com.br/LobatoMau/Negrinha.pdf


Morreu “com maior beleza” a Negrinha, de frio e tristeza, sonhando com muitas bonecas louras, de olhos azuis com mãozinhas de louça. Sendo enterrada a sua “carnezinha de terceira” na vala comum, deixou a saudade de “como (ela) era boa para um cocre”.


Fiquei estarrecido, sim, com a conclusão dos atores mirins antes dos aplausos dos pais e professores orgulhosos: “Mesmo uma criança negra tem os mesmos desejos que todos têm – ser amada e poder brincar de boneca!”. Meu Deus, crianças, vocês juram que chegaram sozinhas a essa conclusão? Ah, sim! Claro que não. Foram ajudadas por Monteiro Lobato, esse racista asqueroso que teima em permanecer como o representante maior da literatura infantil brasileira.


O racismo do Lobato mau não está apenas na boca de Emíla, “alter ego” do autor, chamando a Tia Nastácia, a negra confinada na cozinha, de preta e beiçuda (Histórias de tia Nastácia. Ed. Brasiliense: São Paulo.
6a. ed. 1957 p.30, 132). Não está apenas na distância que se coloca Tio Barnabé – nos confins do sítio –, nem no fato de chamá-lo mono, macaco.

Em seu livro de 1926, O Choque das Raças publicado em uma reedição em 1946 sob o título de O Presidente Negro, ele revela mais claramente seu clube. O livro é dedicado a Arthur Neiva, médico sanitarista que defendia a eugenia ­– teoria racista criada pelo médico e matemático inglês que defendia a pureza das raças, Francis Galton. Para o dirigente da Sociedade Eugênica de São Paulo, o médico carioca Renato Kehl, Lobato escreveu "tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque [Choque das Raças], grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropiado amigo. Precisamos lançar, vulgarizar estas idéias. A humanidade precisa de uma coisa só: poda. É como a vinha". No livro, por boca de um dos personagens: "Estragou as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de selvagem e o branco sofreu a inevitável piora de caráter, conseqüente a todos os cruzamentos entre raças díspares".

O livro parece premonitório. Por meio do "porviroscópio", um dos personagens enxerga uma eleição americana disputada entre um negro, uma mulher e um branco. O negro ganha. Qualquer semelhança com Hillary Clinton, Barack Obama e John Mc-Cain é mera coincidência. O fato ocorre em 2228!


O livro foi lançado no EUA. Fracassou. Lobato certa vez falou “Errei vindo cá (EUA) tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros”. Aqui no Brasil, pelo visto, não houve fracasso do seu projeto de vulgarização das idéias racistas entre as crianças.
Entre outras mil, és tu, Brasil, ó pátria amada!
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8 comentários:

Thaíssa Vasconcelos disse...

Eu já conhecia o texto de Lobato à que você se refere. E realmente essa história do preconceito, por mais explícita que esteja a questão do multiculturalismo, ainda existem pessoas que se negam a aceitar as pessoas como iguais, em uma democracia.

Em uma perspectiva de preparar os jovens para esta visão de pluralismo cultural, temos a ignorância dos educadores, será que eles pensaram em com isto estarem auxiliando ao pensamento mais humanos dos jovenzinhos? Se for, o fizeram de maneira bastante equivocada, caindo em uma das armadilhas que montam o próprio multiculturalismo.

É triste, as pessoas não conseguem lidar com as diferenças, as pessoas escondem seu preconceito e agem de forma ridícula.

Leiliane Lopes disse...

muito interessante e curioso.
Em falar nisso, ainda não li esse livro. Vou buscar pra ler pq fiquei interessada.

Dta

Carlos Macêdo disse...

Também ainda não li esse livro.... vou procura-lo!

=D

http://www.fliperama-underground.blogspot.com/

Euzer Lopes disse...

Eu nunca soube deste racismo exacerbado de Monteiro Lobato. Principalmente porque, mesmo com seus medos, Tia Nastácia e Tio Barnabé eram celeiros de sabedoria.
Mas, como você levantou uma questão, agora vou procurar saber melhor...
Obrigado pela dica.

Unknown disse...

Não conhecia esse texto, vou procura-lo agora..

Unknown disse...

Não conhecia esse texto de Monteiro Lobato. E não sabia desse preconceito.

http://maynabuco.blogspot.com

Anônimo disse...

Eu não tinha conhecimento!

Parábens adorei o blog.

Bjss

Fada Safada disse...

Rapaaaaaazzz, eu to beeeesstaaaa.

Não conhecia o lado negro do Lobato, que horror.

Obrigada pela visitinha amiga.
Depois do almoço tem café fresquinho. Eu mesma passarei, porque aqui em casa não tem Tia Anastácia na cozinha.

Beijos
Fada