sexta-feira, maio 23, 2008

Infeliz

Trânsito de São Carlos. A garota está indo de moto para o trabalho quando é acintosamente fechada por um Zé-mané de carro. Freada brusca, rubor, taquicardia, uma respiração funda e o descarrego: INFELIZ! Como é? Infeliz? Não havia nenhum outro insulto? Um vitupério mais ofensivo?

Não recomendaria nenhuma vulgaridade. Falar palavrão, na minha opinião, sempre é um tiro no pé. É vexatório. O vilipendiador pode sair mais ferido que o vilipendiado. Para o caso específico ­ não caberia um discurso e nem mesmo frase longa. Ainda “begalafumenga”, “anencefálico”, “acatapléctico” não funcionam de dentro do capacete. Há que se dar apenas um tiro antes que um se afaste demais.

Um ultraje típico da língua escrita é altamente desaconselhável. Não dá para atacar com sicofanta, betráquio, tugue [Do hindu thag – indivíduo violento, sanguinário (seita cujos membros praticavam sacrifício humano)], onagro, graveolento, truão – já que a graça desses é fazer que o ofendido, além de receber a ofensa, só descubra do que se trata após consultar o dicionário. “Tartufo” o levaria até Molière. “Casmurro” a Machado. “Bucéfalo” a Alexandre Magno.

“Bicho-papão” ia parecer infantil. “Desminlingüido”, idem. “Bastardo” é para tradução de filme americano. Desparafusado, tantã, desmiolado, abilolado e maluco são obsoletos. “Barbeiro” é muito óbvio. “Tunoso” é pessoa que vive vadiando. Vem do francês, tune. Mas se o carro é “tunado” pode parecer elogio vindo do inglês.

Animais de carga é fonte de insultos, mas sua força se perdeu. Asno, burro, mula, jumento, jerico? Não! “Cavalo” e “acavalado” podem ser elogio. Abnóxios. “Besta” só funciona com adicionais geométricos: quadrada, redonda.

Comportamento sexual visto como censurável fornece toda espécie de obcenidades. Bronheiro, onanista é o homem que não consegue parceira sexual e se entrega à masturbação (vem da figura bíblica Onã). Não se aplicaria aqui. “Desmunhecado”, “brioqueiro”, “abonecado” poderiam dar processo se homossexual de fato for.

Gritar trombadinha no trânsito é perigoso. Pode ferir o brio de algum flanelinha ou malabarista que esteja por perto. Se estivesse clareza que o carroceiro está fora de forma, xibimba, adiposo, pantófago (Gr. Que come tudo), pançudo, ancudo ou pandorga seriam humilhantes. Se o contrário, desnalgado (que tem traseiro pegueno). Mas como ter certeza, se o amundiçado está dentro do carro?

Se ao menos fosse um político, as opções se multiplicariam. Basta pensar numa sílaba. Vigarista, vil, vivaldino, vilanaz, vira-casaca, vira-lata. Daria para conjugar adjetivos como se verbos fossem. Politiquete, politiqueiro, politiquinho, politicóide, politicalho. Pensando bem, acho que ela foi feliz em chamá-lo de infeliz. Melhor deixar os melhores xingamentos a quem mais merece. Bip, bip!
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3 comentários:

Uriel Gonçalves disse...

quantos xingamentos num post só O.o

Henrique Monteiro disse...

Comecei lendo o texto e achando que seria uma narração imbecil do cotidiano.
No meio achei que era apenas um texto intelectual, falando várias coisas para criar texto grande.
Chegando ao fim estava gostando do que estava lendo.

Super bacana o tanto de palavras diferentes que tu postou aqui, e mais bacana ainda colocar as origens de algumas delas.

Mas prefiro os xingamentos mais simples, como infeliz, ou os mais feios como vai ***** no **, viad*! filho da **** e outros. Na hora da raiva, o que conta é a gente descarregar.
[melhor com palavras do que com ações, nao é mesmo?]


Abração.

Henrique Monteiro.

Sombra, o Homem disse...

realmente alguns xingamentos se popularizaram tanto, q se tornaram elogios.
Mas todos temos um ponto fraco, cada um diferente do outro.
Então o melhor é gritar: oh, seu piiiii, vai pra piiii....
aí a pessoa sempre imaginara o pior e vc terá seu objetivo cumprido.


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