sexta-feira, junho 20, 2008


Gallus Domesticus

Fiquei fora alguns dias. Olhei para dentro, gastei tempo escarafunchando lembranças antigas de quando eu era apenas um franganote.

Ocorreu-me Dona Tonha Feiticeira, aquela que morava, como eu, próximo à feirinha, perto da alfaiataria do meu avô. Na frente da sua casa estacionavam os galinhoteiros, os quais ela tentava expulsar amiúde com perdigotos e esguichos d’água de mangueira. Dias de algazarra e banho. Na grade verde e baixa do jardim da sua casa, meu segundo irmão, ainda frangote, foi derrubado de testa e ganhou seu primeiro grande galo.

Dona Tonha Feiticeira é da época que existiam galinhas. Hoje todos esses seres são chamados de frangos. Lá ia eu, seguindo-a casa adentro. Ela vestida como cigana: babados e cordões, pingentes e dentes dourados. Eu segurando uma galinha viva pelos pés conduzindo-a entre imagens, signos de Salomão e carrancas. A
carijó sabia de turmas inteiras que se transformara em passarinhos ou tulipas. Desde pintinho cria que poderia se tornar crispy chicken, Korean fried chicken, fricassê. Caipira, veio para cidade exatamente para ser imolada e se transformar no cozido com batatas do dia. Voltava da casa da Dona Tonha Feiticeira com a cabeça debaixo da asa.

Foi aí que aprendi o ofício a que era solicitado ao menos uma vez por semana por minha mãe: um pé prendia duas asas no chão. O outro, os pés
de galinha. Mão esquerda agarrava a cabeça com força. Arrancava penas do pescoço. Batia a faca e depois, com o fio, sangrava a danada esperando sua morte.

Fiquei introspectivo alguns dias. Olhei para fora e não perdi tempo. Aqui vou - entre o ovo e o vôo - tentando atravessar a rua para o lado ensolarado da calçada.
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5 comentários:

Lidianne Andrade disse...

muito legal o texto
e o blog
amei!
voltarei mais vezes
abs

Anônimo disse...

Legal o texto
Muito bom





http://angucomtaioba.blogspot.com/

Anônimo disse...

legal

João Filho disse...

Você não é mais um frangote?

Lomyne disse...

Pois eu ainda acho que aquelas carijós de quintal, abatidas na hora, resultam em um almoço tão ou mais saboroso do que o Chester do Natal... Acho que as pequenas coisas de antigamente tinham mais sabor, não sendo tão industrializadas e com mais mão humana no processo...